Em 2009 fez 10 anos da morte da fadista Amália Rodrigues. E com toda a comoção nacional e mobilização dos palcos para homenagens à cantora, morreu junto a minha esperança de vir a gostar de fado.
Por um ano inteiro (juro, foi mesmo um ano inteiro de homenagens musicais, teatrais, exposições, coletâneas de música, programas de TV, filmes e etc) culturalmente dedicado a Amália.
Em 2011 o fado foi elevado a categoria de Património Oral e Imaterial da Humanidade, pela UNESCO. É louvável, é claro. Mas a saturação fadista que aconteceu durante o resto de 2011 e boa parte de 2012… ui… Eu ainda não tinha me recuperado da overdose de Amália em 2009.
Acho lindo ter um representante de um pedacinho da cultura nacional internacionalmente conhecido, mas no meio disso tudo esqueceu-se o que havia para além de Amália em termos de música portuguesa. Na verdade existe mesmo muito mais música do que fado em Portugal. E para além da Sra. Dona Rodrigues também há outros fadistas que dizem ser muito bons no que fazem: Toninho de Matos, Camané, Mariza, Carminho, Carlos do Carmo, Dulce Pontes, Ana Moura… e uns duzentos mais.
Não gosto deste estilo musical, mas isso não invalida o fato de eu admirar a Carminho e a Mariza. É uma nova geração de fadistas.
Há também o infeliz “pimba“. É engraçado apenas nas festas dos santos populares, mas se você morar na rua em que acontece a festa, basta um final de semana para ficar saturado disso tudo. Óbvio que são músicas para rir, apesar de algumas serem para chorar… Sugiro experimentar esse momento com Bailarico de Verão (Emanuel) ou Garagem da Vizinha (Quim Barreiros). Esse último compositor é mesmo jocoso.
Antes de vir morar em Portugal eram esses os dois estilos de música que eu conhecia. E para muitos amigos e familiares que vivem no Brasil ainda se mantém assim.
Não sou nenhuma expert em termos de música, nem mesmo trabalho no ramo, mas tenho ouvidos e gosto de música. Então, até onde eu ouvi, Portugal vai muito além de Fado ou pimba:
Tony Carreira – é o Roberto Carlos Português. Tem até especial de natal, piquenique (em vez de cruzeiro), shows anuais e muitas coroas/cotas suspirando por ele. Podem me chamar do que for, não gosto de Roberto Carlos e nem do Tony.
Xutos e Pontapés – pode ser comparado com o Barão Vermelho, mas é como se não houve nunca a interferência de um Cazuza. Tem músicas legais. Outras eu ainda tô por entender o motivo do sucesso. A mais recente deles que fez sucesso é a “Ai se ele cai“. Legalzinha…
Rui Veloso – diria que ele é o pai da “MPP” (música popular portuguesa), é um grande compositor e letrista, respeitadíssimo em Portugal, tem grandes sucessos e faz mesmo muita coisa boa. Uma das músicas que mais tocam por cá é o Chico Fininho. Ainda não entendo como ele não conseguiu enriquecer mais a música Primeiro Beijo… A frase “pensava que a tua língua sabia a flor de jasmim, sabe a chicle de mentol e eu gosto dela assim” é pavorosa. Tenho certeza que ele faria melhor. Ele é bom. Eu sei que é.
Nota: o verbo saber também significa “ter sabor a”. No começo eu estranhei, mas hoje faz parte do meu vocabulário diário.
André Sardet – ele é um fofo. A música “Foi feitiço” é uma gracinha. Além desse estilo romântico não piegas, ele fez uma obra chamadas “Mundo de cartão”, exclusivamente para as crianças. Mais ou menos o que a Adriana Calcanhoto fez com a Partimpim. Mas ele não usa alter-ego, e faz musiquinhas mesmo fofas.
Jorge Palma – Não acho que ele é do rock, mas sim da MPP. Também é bom. Não curto muito, mas ele é mega talentoso e respeitadíssimo. O hit que eu mais ouço no rádio é o “Encosta-te a mim“.
Paulo Gonzo – Faz muita música pra novela, e eu não conheço a fundo a obra dele, porque não sou muito de novela. Mas uma que é legalzinha é a “Sei-te de cor“.
António Variações – Não vale a pena descrevê-lo. A Wikipedia tem uma página que diz tudo o que é preciso saber sobre esta figura única na história da música portuguesa. Ouçam “o corpo é que paga“. Clássico!!!
GNR, Heróis do Mar, Delfins, Rádio Macau – bandas anos 80, um sucesso ou outro pra mim, muitos sucessos pra quem viveu a época aqui.
Just Girls – formada a partir da novela teen Morangos com Açúcar, é obviamente uma banda teen, mas acho que acabou… Podemos dizer que é a Rouge portuguesa, só que com músicas legais.
Santos e Pecadores, Deolinda, Clã -bandas novas músicas legais. Gosto da “Fala-me de amor“, dos Santos.
Expensive Soul, Klepht, Legendary Tiger Man, Mind da Gap, Mercado Negro – bandas pós 90 com estilo mais agitadinho. Destas a que eu gosto muito são a “O amor é mágico” e da “Tudo de novo“.
Da Wazel e Boss A.C. são os rappers hiphop lusitano. Não gosto do estilo, mas tiro meu chapéu para estes dois.
Existe uma página no wiki com a lista de todas as bandas portuguesas atualmente conhecidas. Algumas destas eu nunca ouvi falar.
Listados estes mais conhecidos, quero dar um destaque especial para o Tiago Bettencourt. Conheci pela primeira vez a voz dele na música “Carta“, na banda Toranja. A poesia é diferente, o tom de voz dele é ultra agradável e a música em si é uma delícia. E a carreira solo dele não fica pra trás. Ouça “O Jogo” e digam-me o que acham, por favor. Usem os comentários!! Vale a pena explorar seu repertório.
É uma pena que artistas assim não atravessem o oceano. Felizmente o Tiago Bettencourt teve a genial ideia de atravessar o oceano e fazer um intercambio cultural no Brasil, fez shows no Rio e Sao Paulo, e ainda fez algo que eu achei o maximo! Deixou 3 álbuns dele de presente, numa livraria no Rio, e a pessoa tinha que chegar lá e dizer uma senha e ganhava o álbum. Não é um lindo?
A música brasileira é super presente aqui em Portugal, o Gilberto Gil, Maria Rita e o Caetano fazem de Lisboa o quintal de casa e sempre fazem show aqui.
A Alcione vai fazer show em Lisboa esse ano. O Michel Teló fez show aqui (bleeeeeeh). Se esse camarada conseguiu encher o Campo Pequeno com UMA música, como é possível que não haja espaço para boa música portuguesa no Brasil?
A Roberta Medina levou o Rui Veloso e o Jorge Palma para o Rock in Rio (Rio), mas nenhum dos meus amigos que foram ao RIR mencionou ter ouvido sequer falar de ambos.
Vamos combinar que a qualidade das bandas e composições brasileiras atuais tem deixado a desejar. Paula Fernandes? Jura? Bato palmas por ela ter conseguido fazer sucesso. Na verdade eu subestimo o potencial público brasileiro pra dar tanta visibilidade a ela assim. E façam ideia… ela também vai fazer show em Portugal esse ano. Dois shows, se não me engano. Como é possível? Gosto não se discute, eu sei, mas a música dela é um lixooooooo. Lógico, é a minha opinião.
Existe explicação pra isso, óbvio! Existem milhares de brasileiros em Portugal. Mas com certeza existem milhões de portugueses no Brasil. Eu cresci rodeada de portugueses no Rio e tenho a certeza que eles adorariam ver e ouvir em terra zuca o sotaque rústico da língua mais sonoramente harmoniosa.
Se existe público para este tipo de música comercial sem conteúdo, porque não dar chance para o André Sardet ou o Tiago Bettencourt chegarem no Rio ou em São Paulo? Não digo fechar o Maraca, mas um Mistura Fina (que nem sei se ainda existe) ou quiçá Vivo Rio?
Fica meu protesto e minha sugestão.
Se quiserem explorar boa música portuguesa, abram um bom vinho portugues (JP, Meia Pipa ou – pra quem quiser gastar mais – Quinta da Bacalhoa) e sigam os links para as músicas dos artistas que eu destaquei, para se deliciarem com a verdadeira poesia portuguesa dos tempos atuais.