Uma das coisas que sempre me preocupou com as mudanças que fizemos (Lisboa x Manchester x Rio x Curitiba) dentro de um intervalo de 2 anos foi como isso impactaria na vida das crianças.
O mais velho, que fará 5 anos em junho, frequenta creche a tempo integral desde os 5 meses. Eu tinha que voltar ao trabalho, não tive outra opção. Não considero babá/ama uma opção porque não acredito que um adulto sozinho com uma criança seja melhor que uma instituição frequentada por crianças da idade dele com profissionais qualificados em educação infantil/pedagogia.
Sou contra isso de “a criança tem que ficar com a família até fazer dois anos completos”, mas sou super a favor de a criança ter total atenção dos pais quando está em casa, depois de 10h de um dia em uma creche.
Quando chegamos na Inglaterra, ele tinha acabado de fazer 3 anos e tinha direito ao Early Years, que é um benefício dado à criança, onde lhe é garantido 3x na semana em part-time uma vivência numa instituição à escolha. E ele, apesar chegar lá sem falar muito (sabia as formas, cores, números, abc, graças ao Super Simple Songs e algumas palavras, por ser fã do Beatles Cartoon), não conseguia se comunicar. Eu não sabia muito bem como ia acontecer a integração dele e sendo muito sincera o que eu não imaginava é que a creche que o inscrevi estava preparada para isso.
Me pediram que eu escrevesse frases comuns em português e como seria a fonética para pronunciarem. Fiz uma lista bem legal e as educadoras riram muito. A metodologia de ensino lá é não ensinar. É apenas orientar. As educadores e auxiliares são mediadoras da liberdade de expressão da criança, respeitando o espaço e a vontade das crianças. Perguntei se teria atividades e tal, elas disseram que não. Eles teriam muitas tarefas no ano seguinte, quando começariam na Primary School e por agora o objetivo era deixá-los à vontade para se adaptarem às rotinas em grupo, com os espaços e os “can and can’t”, “should and shouldn’t”.
Meu filho sempre gostava da creche, mas teve dificuldades em brincar com outras crianças, e eu achei que seria pela barreira linguística, mas em 3 semanas ele aboliu o português da vida dele e já estava falando apenas em inglês… e corrigindo algumas pronúncias nossas – o que era bem engraçado hahahaha!
Mesmo assim continuou isoladinho, sempre brincava sozinho. Por fim ele passou a ter um amiguinho, que também era novo na creche. Um menino muçulmano chamado Mohamed. A mãe dele era bem tímida e não falava muito bem o inglês, então não consegui conversar. Meu filhão até ajudou o Mohamed a conseguir se comunicar com as educadoras, mas a amizade não foi além das portas da creche (e isso também aconteceu em Lisboa).
Quando tínhamos a ideia de que iríamos embora mesmo (e foi difícil isso, porque ainda nos restava esperança e vontade de conseguir ficar por ali) comunicamos a escola e o tiramos no recesso de ano novo. O levamos uma última vez, na véspera da viagem, para se despedir das pessoas. Ele ficou bem e entendeu que iríamos embora, mas não percebia muito bem o que estava acontecendo.
Nas malas trouxemos o que pudemos, mas priorizei os brinquedos das crianças e utensílios pessoais deles, pra que conseguissem ter sentimento de pertença onde fossem dormir à noite nessa nova fase.
No dia da viagem fizemos escala em Lisboa e nos encontramos com os nossos grandes amigos que fizemos lá. O Tuco ficou mais que feliz quando viu os tios Hugo e Ana, e isso o deixou um pouco confuso, mas daí nós explicávamos que fomos lá só para os ver e depois pegaríamos outro avião para ver vovô e vovó, no Rio de Janeiro.
A viagem de volta foi tranquila. Triste pra mim e pro meu marido, mas tranquila. Chegando no Rio fomos recebido pelos meus pais, meu irmão e meu primo. Meus filhos começaram a sentir o calor humano do sentido de família. A maioria das pessoas respeitou o nosso espaço e não ficaram em cima assim que chegamos. Aos poucos, fomos aparecendo nos eventos familiares (família giga) e nas infinitas festas de aniversário e encontros com diversos pretextos (gente, uma festa por semana na média). Tuco estava em êxtase. Adorava as farras, as festas, as pessoas. Mas aconteceu o problema inverso: ele não falava mais o português e apesar de entender o que diziam, respondia sempre em inglês. E isso deixou ele um pouco irritado no início. Perdia a paciência muito rápido por ninguém entender o que ele dizia. E mais uma vez, em mais ou menos um mês, voltou a falar o português, com sotaque carioca, com a eloquência de quem nunca parou de falar a língua.
Sua integração foi melhor, mas começamos a perceber uma outra coisa: o apego ao materialismo.
Ele não queria se desfazer nem no papel de embrulho de uns presentes, queria levar os brinquedos com ele para todos os cantos, tinha que ter o travesseiro dele se fôssemos dormir na casa de alguém, a comida que tinha à frente não podia ser removida, mesmo que ele já nao quisesse mais.
Aí ele começou a comer mais do que queria e com isso… vomitava.
Começou na escola em maio, e estava tão ansioso que vomitou o café da manhã, de nervoso. Depois que vomitou ficou super bem e foi pra escola feliz da vida, nem precisou fazer adaptação. Foi ótimo pra ele ter amigos. Ele nunca teve amigos da idade dele antes. Falava o dia inteiro no Vitinho, o amigão que ele fez. No aniversário do Tuco fizemos uma festa na casa da minha mãe e as crianças adoraram. Os coleguinhas da escola vieram, os filhos de primos e amigos meus, e ele ficou numa alegria sem tamanho. Na hora dos parabéns, a alegria no olhar dele por ter, pela primeira vez, umas 50 pessoas cantando seu nome, batendo palmas. Realmente, foi um dos momentos mais marcantes da minha vida.
Mantenho até hoje contato com as mães dos coleguinhas da escola do Rio e quando formos lá por alguma razão, vou entrar em contato e combinar alguma bagunça com a galerinha, pra materem as saudades.
Depois do Natal, começamos a preparar o Tuco pra mudança pra Curitiba. Conversávamos sobre a nova vida, como seria, sobre o quarto dele, a escola nova, etc. Foi difícil. Ele ficou muito apegado à realidade que ele se apegou, mesmo não sendo o ideal, não tendo uma estrutura dentro de casa, não tendo muito como fazer programas outdoor como estávamos acostumados em Portugal e na Inglaterra, era sempre shopping, quintal de casa, festinhas em lugares fechados.
Até a chegada à Curitiba ele estava ansioso. Mas depois que chegamos ele ficou alterado. Desobediente, desafiador, birrento. Continuava com o apego à comida e aos objetos. As aulas só começariam no mês seguinte e as obras no apartamento ainda por terminar (faço questão de depois escrever um post sobre reforma de casa, porque fui sacaneada ao extremo e não quero que ninguém mais passe por isso), a mudança só viria depois do início das aulas, estávamos num apartamento por temporada e ele estava com uma carência de crianças que doía o coração. Passasse qualquer criança na rua ele tentava se comunicar. Se ele visse da janela uma criança, ele dava um berro “ooooooooiiiiiii! Eu sou o Arthur!!”. Meu coração partia em caquinhos, igual a desenho animado.
Aulas começaram e ele ficou em êxtase de novo. Mal dormiu na véspera da aula. Acordou cedo e já queria ir pra escola (que é só à tarde). Dessa vez não vomitou, mas estava muito, mas muito empolgado. Contagiou até a Liv, que foi a primeira vez que foi pra escola. Ambos se adaptaram bem, Tuco me deu tchau e foi pra sala, como se já conhecesse todo mundo. Liv ficou um pouco receosa, mas ficou bem. Não precisei adaptá-la.
De início ele estava agindo como se não houvesse amanhã, como se a escola fosse acabar. Foi isso o que aconteceu com ele das outras vezes, não o culpo por isso. Mas depois de muito, mas muuuuuuuuuuu(…)uuuuuuito diálogo, ele percebeu que as coisas agora serão diferentes e eu e pai dele vamos fazer de tudo pra que ele continue nessa escola até o final do tempo escolar.
A casa está cada vez com mais cara de casa, o quarto deles está quase todo como eu quero, os móveis planejados vão chegar em breve, o banheiro tá quase com cara de banheiro, e temos saído com eles todos os fins de semana pra fazer programas outdoor, como antes.
A sensação de pertença começa a dar sinais no Arthur, ele tá muito mais propenso ao diálogo, já consegue deixar o pedaço de pão de lado rsrs e isso deixa o coração dessa mãe aqui muito mais descansado.
Um pensamento em “Mudanças e as crianças: adaptação e reação”