Deve haver uma lógica por trás disso, não? Diante de tantas opções de cidades que podemos viver (toda a União Europeia e o Brasil), o que nos fez escolher Curitiba? Nesse momento difícil que o Brasil atravessa, o que nos manteve aqui?
Primeiramente, devo explicar o motivo da volta. E é simples: as coisas não correram como gostaríamos em terras da rainha. Expliquei anteriormente por que Manchester – e não Londres – e apesar das atrações da cidade, precisávamos de uma renda mínima anual para eu, brasileira, poder viver com um cidadão de Estado Membro da UE dentro do Reino Unido, com direito a estudar, trabalhar, e pagar para usar o NHS (é público pra quem é cidadão de Estado Membro). Não era uma renda qualquer (cenário que eu me encontrava pode ser consultado aqui) e nós não queremos viver com auxílio do governo (nem no UK, nem em Portugal ou em qualquer outro lugar). Poderíamos ficar e pleitear alguns benefícios, principalmente para as crianças. Mas pra quê? Se não for pra ter uma renda que custeie a nossa vida, não vale a pena ficar ali (não estou criticando quem viva com ajuda do Governo, apenas estou reforçando que eu não quero viver assim).
Pois bem, voltamos com nossas malinhas e chegamos no Rio há precisos 2 anos. O choque foi imenso. Tanto no clima (saímos de -3 para 36 graus Celsius) como em estar em sociedade. Volto a reforçar que eu falo exclusivamente sobre a minha experiência e não tenho intenção de ofender ninguém. Os cariocas estão muito mal educados. Não se usa mais “por favor” e nem “obrigado”. “Com licença” deve ser javanês, porque falei isso algumas vezes assim que lá cheguei e me olhavam com uma cara de ódio. O surpreendente foi ver que outra pessoa falou “sai da frente, p%$#@” e não houve olhar de ódio. As músicas ambiente são pobres em qualidade poética. A sujeira na rua é repulsiva. O trânsito, um caos. Meia noite em Botafogo, perto do metrô e tudo parado. Por sorte, eu estava a pé. Falando em metrô, fiquei chocada em perceber que em 8 anos as pessoas ficaram mais egoístas ainda! Andando com minha filha no carrinho de bebê, na estação do Cantagalo, fiquei presa no elevador da plataforma. Uma pessoa tentou chamar o elevador (para usar), e eu falei: “eu tô presa aqui!”. O que a pessoa fez? Desceu as escadas e ficou esperando a composição a seguir. Sequer alertou aos seguranças. Eu, com uma criança de um ano e pouco num carrinho de bebê, presa num elevador panorâmico, fui deixada ali por alguém que se preocupava apenas com seu umbigo.
Assim que cheguei fui ao Rio Sul para comprar um short (não preciso explicar o porquê de eu não ter mais roupa de verão na mala) e me senti tão “eu não sou daqui”. Não é uma sensação muito legal estar de volta na cidade onde você nasceu e simplesmente não sentir nenhuma identificação com nada ao seu redor. Eu já não sentia muito, e agora, depois de tantos anos, não sinto nenhuma.
Tentamos nos readaptar ao Rio, e o único lugar que eu me sentia à vontade era num bar na esquina da Paula Freitas com a Barata Ribeiro. Parece papo de bêbado, né? Mas ali tinha um caldinho de mocotó maravilhoso, um bolinho de carne super caseiro, o frango a passarinho era maravilhoso. Parece que a minha relação com o Rio é apenas com comida.
E a partir de então começamos a nos questionar se valeria a pena assentarmos raízes ali. A violência urbana 50 vezes pior do que quando fomos embora – minha sensação, deixo já claro isso -, a sociedade completamente mudada, o custo de vida nas alturas, a cidade decadente. Pavimentação uma lástima, sensação de vulnerabilidade completamente latente. Tenho duas crianças pra educar, criar e soltar no mundo, precisando de alicerce, de segurança, de perspectiva. “O que podemos oferecer a elas aqui no Rio de Janeiro??” – pensamos. O Rio de hoje, definitivamente, não vai me permitir fazer nada disso.
Nota: sei que muitas pessoas amam o Rio e podem se sentir magoadas, ofendidas ou com raiva de mim por isso, mas aqui é o meu espaço, em que desabafo com o coração. Não peço pra concordarem com nada do que escrevo, peço apenas para entenderem que para cada pessoa a experiência em um determinado local pode ser diferente da sua.
Nossa vontade real era voltar para a Europa. Dublin? Porto? Lisboa tá muito cara, sem condições. Margem sul? Temos opinião não muito positiva formada sobre as escolas da região. Queríamos voltar para onde tínhamos a certeza que teríamos qualidade de vida (não confundir com nível de consumo). Ficamos num dilema.
Então nosso pequeno Tuco entrou na escola no meio do ano, e tinha aula de inglês no Jardim I. Ele se recusava a participar, e conversando com ele veio a explicação: eu não quero voltar. Meu filho, com apenas 4 anos, estava sofrendo com as nossas mudanças.
Por isso, pela nossa responsabilidade com os dois seres a que demos vida, decidimos por continuar no Brasil, mas ir pra algum outro lugar que não a cidade do Rio de Janeiro. Região serrana? Interior? Mas e a infraestrutura? Tem educação de qualidade e acessível? E a segurança? E a saúde pública?
Ponderando estes aspectos, e pesquisando no google, descobrimos que existe uma cidade em território brasileiro com potencial e decidimos visitá-la em Agosto/2016. Visitamos alguns imóveis, passeamos pelas ruas, passamos uma tarde no Parque Barigui, andamos à noite a pé e chegamos a conclusão de que aqui teríamos a paz que precisamos. A foto deste artigo, de minha autoria, define a paz que aqui encontramos.
E dois vídeos que encontramos no YouTube nos ajudaram na decisão. São eles:
Temos qualidade de vida. Aqui o nosso direito de ir e vir estão garantidos. Temos excelentes escolas privadas e públicas. Temos saúde pública (não estamos usando plano/seguro de saúde, usamos mesmo a rede pública), temos vida noturna, temos bares maravilhosos, temos museus, temos mercado 24h, temos parques públicos maravilhosos que podemos frequentar. Fazemos piqueniques no Parque Barigui, fazemos trilha do João e Maria no Bosque Alemão.
O custo de moradia é inferior ao Rio, o custo de alimentação é semelhante, a oferta e a qualidade de produtos no mercado e na feira são muito superiores ao que vi no Rio.
A locomoção aqui é fácil, não tem metro mas tem o tubo (semelhante ao BRT carioca) e das vezes que usei não tive do que me queixar.
Aqui eu consigo ver meus filhos crescendo. Consigo os ver indo para a escola sozinhos, a pé. Consigo os ver fazendo parte de uma cidade e não de um condomínio fechado. Quando eles chegarem ao final do Ensino Fundamental pensaremos, em família, o que iremos fazer. Enquanto isso, vamos vivendo a nossa nova cidade, em paz.